quinta-feira, 26 de maio de 2016

Jogador Talentoso e Jogador Experto: o que são? São o mesmo ou não são?

Quando nos reparamos com determinado jogador nos Jogos Desportivos Colectivos que apresenta qualidade e eficácia nas suas acções e comportamentos, tendemos logo a caracterizá-lo como talentoso ou experto. Por isso, não é qualquer jogador que é considerado dessa forma, estará sempre sujeito a algumas subjectividades de avaliação por parte de quem o julga. 

Infelizmente, ao longo da pesquisa efectuada não foi possível encontrarmos uma resposta conclusiva para ambas as perguntas. Desde logo pelo facto de as próprias definições de Talento e de Experto se coincidirem em muitos pontos. Por outro lado, o facto de existirem diferentes perspectivas quanto à formação dos jogadores talentosos e expertos nos JDC, provam a incerteza que ainda abunda nesta problemática, estando a perspectiva genética num dos extremos, a ambientalista no outro e a perspectiva de interacção entre o inato e o ambiental, no meio delas. (Costa, 2005).   

Abordando o conceito de Experto, vários investigadores, com especial incidência para os estudos de Janelle e Hillman, 2003, in Ericsson & Starkes, 2003, se debruçaram sobre o assunto e concluíram que existem características que são transversais a todos eles. Normalmente designados por “Domínios”, os expertos dominam a área “Cognitiva”, “Técnica”, “Emocional” e “Fisiológica”. De notar que esses domínios estão obviamente interligados uns com os outros e para se manifestarem precisam-se mutuamente. Além disso, esta corrente defende ainda a ligação muito estrita entre o Expertise e a prática, indo de encontro à ideia de que o Expertise é alcançável através de um processo de prática e aquisição que permita a aprendizagem e o desenvolvimento dos diferentes domínios (Costa, 2005).

Domínio Técnico - todo o jogador experto tem de dominar os mais variados recursos técnicos que lhe permitam ser funcionalmente eficaz nas suas acções e comportamentos em jogo, apresentando por isso um elevado grau de coordenação sensoriomotora (Dias, 2005).
O experto tem de dominar os seus recursos técnicos de uma forma contextualizada com o próprio jogo. Ou seja, para ser considerado tecnicamente experto nos JDC, o jogador não tem necessariamente de saber fazer muitos truques com a bola, do género dos malabaristas circenses ou dos “freestylers”. Tem é de saber resolver tecnicamente os vários problemas que vão surgindo ao longo do jogo, acolhendo em si um vasto leque de recursos que lhe permitam ultrapassar esses mesmos obstáculos.  
Esse mesmo domínio técnico é potenciado através da influência do treino. Pode-se afirmar que “o treino prolongado e sistemático promove o reconhecimento, a recordação e a retenção de modelos de movimentos coordenados, refinados e eficientes” (Janelle e Hillman, 2003). O treino permite aos expertos construir um conhecimento técnico-específico sobre o jogo. Esse conhecimento ajuda-os a realizarem as suas acções eficazmente de uma forma automática, que os jogadores não-expertos não conseguem. 
Domínio Cognitivo – todo o jogador experto terá de saber analisar e interpretar o jogo, percebendo quais as soluções mais adequadas para resolver os diferentes problemas que surgem. É através da especialidade neste Domínio que o jogador determina a melhor estratégia a utilizar na circunstância do jogo (Dias, 2005). 
São várias as capacidades que incorporam este domínio, como a tomada de decisão, a memória, a percepção e a antecipação, sendo por isso considerado o Domínio mais complexo nos JDC (Dias, 2005).
O Domínio Cognitivo alberga em si dois tipos de conhecimento específico: o declarativo, relacionado com “o que fazer”; e o conhecimento processual relacionado com o “como executar” (Dias, 2005). 
Segundo French & Thomas (1987) e McPherson & Thomas (1989, in Guilherme Oliveira, 2004: 63)  os expertos têm assim a capacidade de:
1. Reconhecer padrões de jogo com maior rapidez e precisão.
2. Detectar e localizar os aspectos mais relevantes que acontecem no seu campo visual, com maior rapidez e precisão.
3. Antecipar as acções dos adversários, baseando-se em pistas visuais, mais eficazmente.
4. Revelam um conhecimento superior em situações mais prováveis de acontecer.
5. As suas decisões tácticas são mais ajustadas à situação.
6. Têm um conhecimento declarativo (matérias específicas) e um conhecimento processual (acções) mais estruturado e aprofundado.
7. Possuem capacidades superiores de auto controlo.
Também ao nível da memória os expertos parecem estar mais evoluídos, já apresentam um nível mais completo e diferenciado, que lhes permite recuperar a informação de uma forma mais rápida e eficiente. 
Domínio Emocional – o experto, através da gestão emocional, tem a capacidade de seleccionar e direccionar a informação do jogo associando-a mesmo a estados positivos ou negativos.
Segundo Janelle & Hillman (2003) o domínio emocional está dividido em duas áreas: a regulação emocional (habilidade para influenciar e exercer algum controlo sobre a emoção) e as perícias psicológicas (factores que podem influenciar a prontidão emocional).
Segundo Filipa Dias (2005), a Emoção nos expertos atua e influencia positivamente ainda sobre: 
·         Aprendizagens e respectivos conhecimentos;
·         Memórias;
·         Tomada de decisão;
·         Concentração. 
Domínio Fisiológico – todos os jogadores só alcançam o expertise se fisiologicamente conseguirem responder às exigências top de determinado JDC. Contudo, o meio de alcance do expertise fisiológico suscita alguma discussão na comunidade científica.
Enquanto alguns investigadores como Wilmore & Costill (1991, in Janelle & Hillman, 2003) que, com excepção da altura do indivíduo, acreditam que factores morfológicos e tipos de fibras musculares podem sofrer alterações através de uma prática extensa e sistemática; outros fisiologistas do desporto defendem que os limites impostos ao jogador são geneticamente determinados.
Para muitos fisiologistas do desporto, existe então a ideia que um atleta estará pré-determinado a alcançar o top, já que terá condições fisiológicas para lá chegar. Para outros investigadores, o treino volta a ter um papel fundamental na melhoria das suas capacidades fisiológicas, dando importância à quantidade e qualidade do treino a que o jogador é sujeito.
Além disso, este domínio de expertise é quase exclusivo do desporto, já que noutras modalidades não tem qualquer relevância (Costa, 2005). 

Analisando agora o conceito de Talento que encontramos na literatura, vemos alguns pontos divergentes quanto à comparação com o conceito de experto, mas sobretudo vemos muitos pontos comuns com este.
Se no caso do Experto, o treino e a prática parecem ser os principais meios de alcance do expertise, no caso do Talento, o dom inato e a aptidão natural parecem influenciar bastante a definição deste conceito. 
Mesmo com esse “extra” genético e biológico, os indivíduos talentosos são predispostos a serem talentos mas não deixam de necessitar de estimular o seu talento para serem na realidade Talentos. Parece confuso, mas, como diz Garganta (2006) “antes de se submeter a um processo de treino, pode existir um talento, mas o jogador só existe depois disso”. É necessário existir, por isso, um processo de aprendizagem que permita ao talento-potencial ou talento-virtual ser talento-real.
O conceito de talento está assim mais ligado à perspectiva genética, nunca descurando o lado prático e treinável de si próprio. Como poderemos ver nesta abordagem de Garganta, os pressupostos que definem talento enquanto jogador de futebol são também eles balizados por quatro elementos, parecidos aos quatro domínios caracterizadores dos expertos:

• Habilidade técnica em velocidade; • Disponibilidade táctica • Eficiência orgânica e muscular: agilidade, velocidade, reacção rápida, rápidas mudanças de sentido e direcção; • Valor moral elevado: autocontrolo, coragem, autoconfiança, combatividade, carácter.

Dá-se ainda a devida importância onde o talento está a ser julgado. Ou seja, o talento estará sempre dependente da sua contextualização, levando-me mais uma vez a pensar na questão da subjectividade da avaliação de talento (tal como abordei no conceito de experto). O talento tem por isso de o ser de uma forma superior e demarcativa dos outros indivíduos (Moita, 2008). 

Tal como nem todos os grandes jogadores de elite são morfologicamente iguais, também nem todos os jogadores expertos apresentam o mesmo domínio dos Domínios, nem todo o talento o é em níveis diferentes de exigência e de competitividade. Assim, e muitas vezes condicionados pela sua funcionalidade no jogo, os expertos evidenciam diferentes níveis de qualidade cognitiva, técnica, emocional e fisiológica, tal como os talentos se mostram mais ou menos talentos conforme as exigências que lhes são impingidas (Dias, 2005).


É inclusive aceite, que mesmo quando um jogador apresente debilidades em determinado domínio de expertise ele não deixe de ser considerado experto ou talentoso, desde que à sua maneira tenha algo de diferente, especial, e de preferência qualitativamente superior que deva acrescentar ao jogo (Dias, 2005).

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