domingo, 22 de outubro de 2017

Pode um Jogador ser feliz se não Joga onde quer?

Treinador: Porque é que não abordaste o avançado e lhe cortaste a bola!? E tu guarda-redes!? Porque é que nem sequer tentaste defender!?
Jogadores: Porque não queremos jogar nessa posição…

Somos manifestamente apaixonados pelas histórias de resiliência, que ajudam o ser humano a ser melhor no seu Todo. Felizmente, no Futebol, são vários os casos de sucesso onde muitos craques para chegarem ao topo tiveram de ultrapassar diversas adversidades, umas até bem agressivas do ponto de vista emocional, mas que se mostraram profícuas para o seu crescimento.
No caso concreto exposto acima, numa equipa Sub13 de Futebol de 9, com treze jogadores no plantel, sendo que apenas um é guarda-redes, estamos a ter vários problemas na questão da “Posição” a ocupar em campo. “Não gosto de jogar lá” ou “não quero jogar ali” são expressões diárias do processo que têm atrapalhado bastante o rendimento do mesmo.
Até agora temos estado a ser intransigentes quanto às nossas ideias e decisões. Temos adoptado uma postura rígida, tomando decisões em conformidade com aquilo que achamos ser o melhor para a equipa, mesmo que para isso estejamos a tornar os jogadores infelizes.
Mas valerá a pena? Valerá a pena estarmos a “marcar” as crianças de uma forma tão negativa? Valerá a pena estarmos-lhes a gerar sentimentos negativos que atrapalham o seu processo de aprendizagem? Valerá a pena termos crianças tristes e frustradas na nossa equipa?
Sabendo que “as emoções, o pensamento e a aprendizagem estão todos ligados”, e estando a Emoção compreendida como uma “importante componente da aprendizagem” (Jensen, 2002:11), achamos que a resposta é NÃO!
António Damásio (1994) fala-nos dos Marcadores-Somáticos, que podem “ser entendidos como um processo inconsciente do organismo que aumenta a eficácia do processo de decisão, destacando para isso opções marcadas positivamente (por exemplo, que originariam um estado corporal de prazer) e eliminando outras (por exemplo que provocariam um estado corporal desagradável)” (Oliveira, 2008). “Os Marcadores-Somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários” (Damásio, 1994).
Nesse sentido o “treinador deve funcionar como catalisador positivo dos comportamentos desejados, associando-lhes emoções positivas e/ou marcadores somáticos positivos” (Guilherme Oliveira, 2004).
Por isso, por mais adversidades que estejamos a criar na aprendizagem dos jovens jogadores, tal poderá ultrapassar os limites do aceitável, transformando o meio de aprendizagem numa espécie de prisão depressiva, que poderá orientar estes jovens para extremos tão nefastos como o abandono da equipa.
Porque para haver uma equipa teremos de ter jogadores…

Bibliografia
DAMÁSIO, A. (1994). O Erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro humano. Mem Martins. Publicações Europa-América.
GUILHERME OLIVEIRA, J. (2004). Conhecimento Específico em Futebol. Contributos para a definição de uma matriz dinâmica do processo ensinoaprendizagem/treino do Jogo. Dissertação de Mestrado. FCDEF-UP. Porto.   
JENSEN, E. (2002); O cérebro, a bioquímica e as aprendizagens; Edições Asa; Porto.

OLIVEIRA, A. (2008). As Emoções como condição essencial na Aprendizagem de um “jogar”. Dissertação de Licenciatura. FADE-UP. Porto.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O 2x0 do Man United contra o West Ham - há faltas boas?

Com um jogar mais colectivo e menos vertical, o United venceu o West Ham por 3x0 na primeira jornada da Premiel League – versão 2017/2018.

Com dinâmicas mais móveis na sua organização ofensiva, colocando as suas linhas mais subidas e mais preparadas para uma transição defensiva em zonas adiantadas, o United deixou uma bela imagem daquilo que poderá ser o seu jogar ao longo da época. Esperaremos para ver se se mantém esta proposta, em especial contra equipas mais “perigosas”.

Contudo, essa reflexão sobre o seu modelo de jogo ficará para quando tiverem sido disputados mais jogos na Premier League.

O que aqui trazemos para reflexão, é o lance do segundo golo do Manchester United. Decorreu na segunda-parte, com o United já menos agressivo e pressionante mas mais expectante, que o irrequieto Rashford com a sua velocidade ganhou uma falta a Pablo Zabaleta.


O defesa argentino, experiente, antecipando o perigo que Rashford poderia provocar já no seu terço defensivo de campo, recorreu à falta para parar a jogada. Embora tivesse sido, a nosso ver, tecnicamente exemplar na primeira fase da abordagem ao lance, com um posicionamento corporal e com os apoios colocados devidamente, ao ver que não conseguia fazer mais contenção, atacou o seu adversário de uma forma mais displicente que transmitiu a sensação de que o seu objectivo foi mesmo a falta.

Após a infracção, o comentador SPORT TV Acácio Santos – canal que seguíamos para ver o jogo, classificou este lance como sendo um bom lance para Zabaleta, mesmo lhe tendo custado o cartão amarelo. O comentador refere que Zabaleta fez o que devia ter feito, pois caso Rashford passasse por ele poderia ter causado muito perigo.

No seguimento das palavras de Acácio Santos nós questionámo-nos: “e se esta falta dá golo?”

E aconteceu. Na cobrança do livre indirecto, Romelu Lukaku fez o dois-zero, com tarefa bastante facilitada por parte das marcações do West Ham, que deixaram que o adversário directo do avançado belga fosse o baixote Masuaku – lateral esquerdo.

Por esta e por outras razões, temos muitas dúvidas sobre a importância das faltas. Em especial quando já são cometidas em zonas do campo que permitam ao adversário cobrar livres directos ou indirectos para a grande-área. A nosso ver, a utilização deste recurso é ainda mais perigosa quando o adversário se apresenta muito forte nos esquemas tácticos e/ou a nossa equipa apresenta algumas debilidades nos mesmos. 


Além disso e pegando nas palavras de Acácio Santos deixamos a nossa reflexão final. Não queremos estar a complicar o Futebol, mas para nós as “verdades absolutas” só são válidas noutras ciências. Como nos dizia o Professor José Guilherme Oliveira nas suas aulas de Futebol na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto quando lhe fazíamos uma questão: “Depende”… 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O 3v2 de Pogba

O Real Madrid venceu o Manchester United por 2x1, na Supertaça Europeia.

Contudo, um dos lances do jogo mais discutidos foi a falta de qualidade demonstrada por Pogba na tomada de decisão de uma situação de 3v2, quando a partida ainda estava empatada a zero.



Lembrámo-nos logo de um episódio com Fernando Valente. Aquando de um Congresso de Futebol na UTAD, o treinador português abordou a necessidade prioritária dos seus jogadores saberem resolver bem este tipo de situações. Chegou mesmo a referir que apenas passava para um nível de complexidade mais exigente, quando a taxa de sucesso dos jogadores em superioridade numérica nesta situação mais “simples” de 3v2 fosse bem elevada.

Toda essa intencionalidade ideológica foi partilhada em vídeo, mostrando a importância e a valorização que Fernando Valente dá ao sucesso destes comportamentos em jogo.

Esse proposta de Fernando Valente criou-nos impacto e fez-nos valorizar mais em Treino e em Jogo a eficácia e eficiência destes confrontos.

Mesmo em idades mais precoces, no caso Sub11, dedicámos ao longo desta última época muitos exercícios para que as crianças fossem capazes de ter uma taxa de sucesso elevada nas situações de 3x2.

Curiosamente, Pogba resolveu da mesma forma que as nossas crianças resolviam no início, antes das nossas sugestões: conduzir a bola de forma vertical e chutar. Achamos que esta não é solução ideal para resolver o problema, embora também possa ser considerada válida.

Às nossas crianças sugerimos então o seguinte: que a condução deve ser feita em diagonal, seja para atacar o adversário – fixando-o – ou atacar o espaço; e que a própria corrida de desmarcação do colega deve também ser diagonal, confundindo o adversário com uma mobilidade mais aleatória e caótica. Chamamos ainda a atenção para a necessidade dos movimentos das deslocações não serem feitos somente no sentido do eixo do corredor central, impedindo que se criem comportamentos de “afunilamento”. Assim, entre os dois jogadores mais extremados deve existir largura suficiente para se criarem diagonais eficazes.

De salvar que esta é apenas a nossa proposta, já que acreditamos que seja a que melhor cria condições para que os 3 consigam ultrapassar os 2 que lá aparecerem.


Por fim uma referência a José Mourinho. Será que um treinador que tanta importância dá à dimensão estratégica do Jogo não terá treinado esta problemática? Será que treinada, Mourinho considera o “avança e chuta” como a decisão prioritária? Será correcta a sangria feita a Pogba se o jogador é guiado pelo modelo de jogo do seu treinador?

Fonte do vídeo - Domínio Táctico:

https://www.facebook.com/Dom%C3%ADnio-T%C3%A1ctico-386490444850972/?ref=br_rs

terça-feira, 4 de julho de 2017

O Hábito, o Mito dos 21 Dias e Vítor Pereira

Na nossa pesquisa diária pelo Saber, deparámo-nos com um artigo não-científico que aborda a regra dos “21 Dias” para se adquirir um novo hábito. 

Sendo o Jogo de Futebol um jogo de hábitos, foi óbvio o nosso interesse por esse texto. Após outras pesquisas sobre o tema, a questão temporal passou a ser mais dúbia. Não há um verdadeiro valor sobre quantos dias são necessários para se criar ou reprogramar um hábito estando esse número dependente da complexidade do mesmo hábito.

Começando pelo início, desde logo ficámos desiludidos connosco. O primeiro grande livro sobre o tema reporta-se aos anos 60, escrito pelo cirurgião plástico Maxwell Maltz, e nós, só agora tivemos conhecimento sobre o “Psycho-Cybernetics” – assim se chama o livro.

Na altura, e com base em informação empírica dos seus pacientes e dele próprio, Maltz referiu que “eram necessários no mínimo 21 dias para que uma antiga imagem mental se dissipe e uma nova suceda”. Contudo, muitos se aproveitaram e continuam a aproveitar desta referência subjectiva para criar o “Mito dos 21 Dias”.

Tal como tudo na vida, a programação ou reprogramação de hábitos não segue uma lógica linear. Sabe-se sim, que um comportamento necessita de ser repetido com frequência e regularidade para que seja considerado um hábito.

Passando agora para o Futebol, mais propriamente para o espaço temporal que convencionalmente se apelida de pré-época, questionamos o seguinte: como será possível criarem-se hábitos colectivos, se os comportamentos que os sustentam não são treinados de forma sistemática?

Neste período que já começou ou em breve começará para grande parte dos clubes, como conseguirão eles criar hábitos do Jogo, se o seu treino passa por fazer exercícios na praia ou nas matas?

Não queremos aqui abominar essas metodologias de treino. Mas, se por norma, as pré-épocas não têm mais de 21 dias – mesmo colocando a programação/reprogramação de hábitos neste número mítico, que hábitos colectivos apresentarão os jogadores no seu primeiro jogo da época?

Pegamos no exemplo do Vítor Pereira. No I Congresso Internacional de Periodização Táctica, Vitor Pereira afirmou que não teve tempo para preparar a sua equipa como queria, daí ter tido bastantes dificuldades nos resultados, acabando por descer de divisão. O treinador português ex-TSV 1860 Munique afirmou que os hábitos estabelecidos intrinsecamente em grande parte dos seus jogadores não lhe permitiram ter um modelo de jogo congruente entre as suas ideias e os hábitos anteriores dos seus pupilos. Recorde-se que Vítor Pereira esteve 5 meses ao comando desta equipa, muito mais do que os tais 21 dias.

Colocando de parte a falta de flexibilidade de Vítor Pereira para se ajustar ao grupo de jogadores do seu clube, verificamos que o Futebol, em especial o que pretender desenvolver-se através de dinâmicas mais complexas e interactivas, necessita de tempo! Tempo esse que será mais ou menos prolongado em função do hábito que se quer adquirir ou reprogramar e em função do indivíduo que terá de conceber ou reformular o hábito pretendido pelo seu treinador.


Daí a beleza e riqueza que poderá sair do Processo (e não eventos) de Treino – aberto, não-linear – na criação dos mais belos e criativos hábitos de Jogo.  

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Os Erros (?) de Ruben Semedo contra a Espanha

Portugal perdeu ontem contra a Espanha no Europeu de Sub21 por 1x3. Como é apanágio do povo português, logo se tentou encontrar alguém para se responsabilizar pelo resultado menos conseguido, como que fosse uma obrigação.

O escolhido pela maioria foi Ruben Semedo. Tendemos a aceitar essa decisão, salvaguardando como é óbvio que o Futebol é um Jogo Desportivo Colectivo, e que nunca é justo responsabilizar as acções de um jogador num jogo de onze.

Contudo, foram vários os pormenores negativos – comportamentos individuais – que o jogador manifestou, e que a nosso ver contribuíram para uma opinião também ela negativa do seu jogo.

No primeiro golo sofrido, achamos que o jogador falhou na tomada de decisão do pressing, não fechando o espaço interior. O Ruben fez uma aproximação muito passiva, tal como os seus colegas do meio-campo já o tinham feito a Saul Ñiguez. No entanto, e a nosso ver, o defesa-central do CF Villarreal deveria ter sido mais agressivo a atacar o espaço do meio, continuando com os apoios orientados para o jogador, em caso de progressão, o fazer no sentido exterior.





Já no segundo golo sofrido, a sua abordagem ao cruzamento de Deulofeu é, na nossa opinião, infantil. Ao oferecer muita distância ao seu adversário directo, conferindo novamente muito tempo-espaço a este, não possibilitou uma cobertura defensiva adequada por parte do defesa-esquerdo de Portugal.

Pior, foi mesmo a maneira como colocou o corpo para tentar interceptar a bola. Pedia-se que o Ruben utilizasse o pé esquerdo para cobrir uma área maior do terreno, além de nunca perder o controlo corporal da situação.





Por fim, no último golo sofrido, não achamos justo existir uma crítica ao Ruben Semedo. Embora reconheçamos o “erro técnico” não podemos condenar a sua intencionalidade na tentativa de pontapear a bola.




Já aqui haveríamos reconhecido que para nós Ruben Semedo é um jogador potencialmente interessante, que tem atributos que lhe permitem vir a ser um defesa-central importante para o futebol português. No entanto, com esta exibição, notámos que ele ainda tem muito para crescer e para aprender. Para bem dele, esperamos que o faça na sua nova etapa…  

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ajax vs Manchester United - reflexões e imagens de uma final poética

Há muito tempo que não estávamos tão entusiasmados com a visualização de um jogo. Depositámos bastantes expectativas no embate entre dois Jogares bastante diferentes, quase opostos face à sua abordagem aos diferentes momentos do jogo.

O Manchester de Mourinho não nos surpreendeu, com a sua organização calculista, algo retrógrada, de elevada imposição táctico-física. Já ao Ajax esperávamos mais, dada a dinâmica ofensiva e total que apresentou em outros contextos.

Ambas as partes da partida tiveram bastante semelhança. Por um lado vimos um Ajax a tentar construir sempre pelos seus defesas-centrais em progressão, de preferência (e convite do United) por Sánchez, condicionados por um lado pela estratégia defensiva de Mourinho, por outro pela própria obsessão a determinados princípios propostos por Bosz.

A pressão passiva de Rashford, que normalmente tapava a linha de passe central-central, convidava à progressão em posse de um dos mesmos que inconscientemente ou não entravam na sua zona de desconforto, a zona dos médios do United.



Com este comportamento o Manchester procurava recuperar a bola com um dos centrais desposicionados permitindo a exploração do espaço pelo Rashford.




Outra dificuldade do Ajax foi a falta de enquadramento individual dos seus médios mais criativos, que muitas vezes não se conseguiram posicionar de perfil para o Jogo, fruto de marcações mais agressivas por parte dos seus defensores directos. Assim, das poucas vezes que as bolas lhes chegavam eram obrigados a voltar a jogar para trás por não estarem corporalmente bem posicionados.



Contudo, a maior dificuldade do jogo ofensivo do Ajax passou por um erro próprio. Bosz que nos desculpe a prepotência mas o jogo fartou-se de mostrar que Schone deveria ter tido outro papel no processo ofensivo do Ajax. O dinamarquês foi excessivamente posicional contribuindo muito pouco para a ligação centrais-meio-campo (contam-se pelos dedos os passes verticais que fez). Alguém que ocupe um espaço tão importante terá de ter outra preponderância para a fluidez de jogo ofensivo da sua equipa.

Ou então, Bosz deveria ter criado outras dinâmicas para não precisar deste jogador. É verdade que o seu posicionamento se mostrou importante para o equilíbrio defensivo da equipa, mantendo-se muito fixo e em constante alerta às subidas dos centrais. Mas também é verdade que o jogo interior do Ajax andou sempre refém de um terceiro elemento.




Além de Schone, também Younes precisa de ser referenciado. O facto deste jogador estar demasiadamente fixo no lado esquerdo do ataque do Ajax também ajudou a anular o dinâmica ofensiva da sua equipa. Além do que, quando a bola lhe chegava ele encontrava-se muitas vezes condicionado a tomadas de decisão individuais, descoberto de coberturas ofensivas e obrigado a partir para situações de 1v1



Não queremos com isto retirar mérito a Mourinho. Acreditamos que mais de dois terços das decisões do Ajax foram escolhidas pelos jogadores do Manchester. Os espaços, maiores ou menores, foram deixados ou tapados com um propósito idealizado por Mourinho. O lado mais estratégico da Táctica foi bastante exacerbado pelas ideias do português e com isso o United foi bastante mais eficaz a defender do que o Ajax a atacar.




As marcações individuais do United foram bastante assertivas. Por mais que não se goste. E o mais interessante desse comportamento foi observar de que maneira é que esse método defensivo mais individual funciona em termos colectivos. Ou seja, é absolutamente fascinante do ponto de vista estratégico vermos um conjunto de jogadores comportarem-se segundo uma ordem quando a base dessa ordem está balizada por um princípio individual.

Muita qualidade tem de ter esse método, quando o Manchester apenas concede um remate à sua baliza na primeira parte. E não é por acaso que esse único remate à baliza de Romero tenha sido concedido quando os dois extremos do Ajax se cruzaram no corredor esquerdo.



Acabou por ser um Ajax pouco flexível, muito ligado a uma criatividade padronizada a outro tipo de organizações defensivas – será que isso se poderá chamar criatividade? – quase que conectado de forma mecânica ao seu próprio estilo.


Já o United manteve-se fiel a si próprio e ao que Mourinho pediu aos seus jogadores. A disciplina em forma de um Jogar. Sem poesia mas com a Taça.  

domingo, 2 de abril de 2017

Como se pode avaliar a qualidade do Treino sem o Jogo?

Ao contrário de muitas outras associações, a Associação de Futebol da Guarda, não tem um quadro competitivo regular para o escalão de Sub11.

Aqui, que é onde estamos inseridos, as equipas de “escolinhas” defrontam-se esporadicamente – normalmente de 3 em 3 semanas – em torneios de 4 equipas, alterando o futebol de 5, dentro de pavilhão, e o futebol de 7, nos estádios, dentro da própria época desportiva.

Pelo que já nos foi transmitido pelos coordenadores técnicos da Associação, esta estrutura competitiva vai de encontro às premissas definidas pela própria Federação Portuguesa de Futebol, que pretende dar um carácter bastante lúdico e recreativo à prática do futebol nestas idades.

Respeitando a filosofia da FPF e da AFG sobre este assunto, não podemos negligenciar as suas consequências no nosso Processo de Ensino do Jogo. Desde 7 de Fevereiro que temos estado a orientar o nosso treino para o futebol de 7, com uma estrutura de jogo diferente da usada nas épocas anteriores (passámos do 1x2x3x1 para o 1x1x2x1x2), exigindo uma adaptação diferente às suas diferentes dinâmicas. Acreditamos que as crianças estão a assimilar bem os princípios que balizam o nosso jogar, mas sobretudo estão a evoluir enquanto individualidade no Jogo.

É aqui que surge o derradeiro problema desta reflexão. Como poderemos nós dizer que eles estão a evoluir, a crescer, a desenvolverem-se se desde dia 7 de Fevereiro nós só ainda estivemos presentes num Torneio? Ou seja, como poderemos nós avaliar a qualidade do nosso processo de ensino e a qualidade do processo de aprendizagem das crianças se não realizamos jogos?  

Passámos a jogar com dois avançados, em vez de um – fizemos bem ou fizemos mal? Criámos o papel de organizador de jogo ao nosso médio ofensivo, com o intuito da equipa desenvolver jogadores que possam vir a ser excelentes nº 10 no futuro, fruto do desaparecimento deste modelo de jogador – certo ou errado? A dinâmica de coberturas defensivas é mais exigente por as equipas adoptarem normalmente um sistema diferente do nosso – somos mais ou menos eficazes a defender? O nosso defesa tem um papel mais redutor ao nível da progressão e construção mas mais especializado na organização defensiva – é ainda cedo para especializar tanto? Deixámos de ser tão largos a jogar – quem deverá assegurar a largura que falta, os médios, os avançados, depende de onde a bola está?

Julgamos que as respostas a estas perguntas não são imediatas e que só com a realização de vários jogos poderemos obter um esboço das mesmas.

É verdade que já deveriam ter sido realizados dois Torneios, fruto da falta de organização de um deles por parte de um dos clubes, mas não é mais verdade que existe um grande descompromisso por parte da Associação de Futebol da Guarda relativamente a estes escalões.

Acreditamos que já está na altura de se mudar o paradigma e ajustar o quadro competitivo, pegando no exemplo de outras Associações de Futebol, como é o caso da de Vila Real. Não estamos a falar de um processo competitivo baseado em classificações, pois acreditamos que não fará muito sentido nessas idades, mas sim de um quadro competitivo regular, com jogos semanais, semelhante a outros escalões mais velhos.


Talvez nesse momento o jogador e a equipa do distrital da Guarda comece a ser mais valorizado…

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Uma reflexão sobre as ideias de Fabregas - o "Fisiquismo" do Talento

«Hoje em dia é mais difícil para um jogador talentoso ter sucesso. Não sou forte a nível físico, não sou o mais rápido, não sou o mais forte, pelo que tenho de tentar estar à frente de outro modo. Sei que para ter sucesso hoje em dia é preciso ser muito forte, correr muito e isso não é fácil. O futebol está a mudar e cada dia que passa vemos menos talento e mais poder físico»


Quando se compara o futebol do presente com aquele que era jogado há alguns anos atrás, saltam à vista determinados factos que parecem abordar uma tendência evolutiva do Jogo.

Uns mais relacionados com a dimensão táctico-física do Jogo, como o aumento das distâncias percorridas pelos jogadores, o incremento do número de jogos realizados por época e até a alteração morfológica dos jogadores. Outros, mais orientados para a dimensão táctico-estratégica, como a exponenciação da zona pressing em determinados processos defensivos, ou a eficácia e eficiência dos princípios e sub-princípios de posse em determinados Jogares como por exemplo o do “tiki-taka”.

Até mesmo sobre as equipas técnicas que compõem as equipas de futebol, estamos a assistir ao aparecimento ou consolidação de novas funções. Uma vez mais, conectadas sobretudo ao físico e ao estratégico do Jogo, como o são respectivamente os recuperados físicos e os analistas (e não observadores, que a nosso ver são  cargos diferentes).

Se olharmos para estes factos de uma forma mais linear e menos sistémica, poderemos dizer que o Futebol estará a caminhar num trilho muito próspero, de elevada qualidade com os jogadores a serem cada vez melhores atletas, orientados cada vez mais por inputs tecnológicos, que permitem aos jogadores apresentarem-se com uma eficácia de prestação quase comparada a um ser mecânico…

Mas será que os factos não reclamam outra análise? Acreditamos que sim.

Aquilo que Fabregas chama de “talento” está a ser relegado para um plano secundário. A arte, o romântico, o humano do Jogo parecem estar a ser menosprezados por quem o comanda. Tanto ao nível da formação como no futebol profissional. São precisamente equipas que mostram essas valências aquelas que mais nos apaixonam enquanto aficionados. São jogadores como Cristiano Ronaldo (no início da sua carreira), Messi, Quaresma, Neymar, Di Maria, que nos brindam com o seu talento que nos fazem apaixonar diariamente pelo Jogo.

Embora reconheçamos que só com uma boa organização colectiva o talento individual poderá emergir, é o TALENTO dos jogadores que mais parece estar estagnado na perspectiva evolutiva do Jogo.

Reconhecemos a importância da evolução de determinados parâmetros comportamentais dos jogadores e das equipas. Mas se o Futebol evoluiu na tal dimensão física e estratégica porque não evolui também na dimensão mais táctico-técnica? Porque é que ainda é tão difícil vermos jogadores a top serem exímios no último passe? Porque é que determinadas fintas 1v1 só ainda existem no YouTube? Porque é que quando vemos um golo de “pontapé de bicicleta” ou um  passe “de letra” ainda ficamos tão admirados? Porque é que ainda vemos jogadores a top tão limitados com o seu pé-fraco? Porque é que há guarda-redes que quando têm a bola nos pés se atrapalham tanto com ela?


Num futebol cada vez “mais forte, mais rápido e mais alto” tem que haver obrigatoriamente espaço para o TALENTO. Se não houver, deixaremos de lhe chamar Futebol.  

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Na procura do Talento eu quero ser um Experto – a complexidade do Recrutamento!

Quando um clube é considerado bom na formação, um ponto que se exige que esteja presente nessa qualidade é o recrutamento de jovens jogadores. Principalmente quando a perspectiva resultadista está bem assente, e o clube tem algumas condições financeiras para oferecer condições a jogadores de "fora", o recrutamento é uma premissa diária na estrutura da formação. A maioria dos clubes utiliza e precisa desse trinómio deteção, seleção e recrutamento de talentos, pois até os melhores treinadores precisam de boas uvas para fazerem bons vinhos.

Esse mesmo aproveitamento dos melhores, deverá surgir nos escalões jovens, para melhor potenciar todo o processo de formação de determinado clube, onde o chamado “Departamento de Scouting” tem o seu papel fundamental (Moita, 2008). Hoje em dia, o recrutamento e toda a sua envolvência, chegou a um ponto bastante precoce, onde a prospecção chega a idades tão precoces como absurdas!

Assim como os jogadores começam a chegar às academias, escolas e clubes de futebol com idades bastante reduzidas, chegando algumas crianças a essas instituições com apenas 3 anos de idade (!) (http://www.portoccd.org/293), também o recrutamento se dá em crianças com idades a partir dos 7 anos.

Além disso, o recrutamento chegou a um ponto tão detalhado que não basta à criança e ao jovem ser bom, é preciso que ela, através do seu jogar, manifeste determinadas características assentes em determinado “modelo/perfil de jogador”. Uma das “Escolas de Futebol” mais prestigiada em todo o mundo, o Ajax de Amsterdão utiliza o modelo apelidado de TIPS, siglas que em inglês significam a (T) técnica, discernimento (o I é de “insight” que não tem tradução à letra), (P) personalidade e (S de speed) velocidade. Já outras equipas da Premier League utilizam outros modelos como o TABS ou o SUPS (Moita, 2008). Coincidência ou não, estes três modelos têm quatro iniciais, ou seja quatro referências de atributos de qualidade que o bom jogador deverá ter, tal como acontece na caracterização dos expertos, que deverão apresentar o domínio de quatro Domínios. Assim, os modelos apelam normalmente a qualidades ligadas ao domínio técnico, cognitivo, emocional e fisiológico.

Relativamente à questão do “modelo/perfil do jogador” numa equipa de formação, concordamos que o mesmo deva existir mas de uma forma bem flexível. No entanto, mesmo que este esteja subjacente a um referencial ou a um padrão qualitativo, tal como por exemplo o do Ajax, o “modelo/perfil de jogador” deverá ser, sobretudo, flexível e deverá potenciar a adaptabilidade do jogador de formação a diferentes filosofias ou modelos de jogo. Concordamos por isso com o Jean Paul (in Moita, 2008), na altura diretor técnico da formação do Sporting, quando afirma que “o que faz sentido é que nós sejamos capazes de formar jogadores aptos para se adaptarem a qualquer modelo de jogo ou sistema”. Para isso acontecer caberá ao jogador ser inteligente e autónomo para colocar em prática essa adaptabilidade.

O Scout, ou “olheiro”, de um determinado clube e neste caso de jogadores da formação, deverá então conseguir detetar crianças e jovens que se enquadrem nas linhas orientadoras do “modelo/perfil de jogador”, linhas essas que deverão ser flexíveis como já foi abordado acima. A partir daí deverá projetar a evolução dos domínios do expertise, olhando para o jogador como um ser treinável. A nosso ver, a competência do Scout de jogadores jovens está dependente de um número elevadíssimo de factores, muitos deles dependentes de terceiros, pelo que o verdadeiro valor do Scout jovem só pode ser mensurável anos após o início da sua atividade, quando atletas propostos por ele conseguem alcançar patamares qualitativos de excelência.

Assim, concordamos com algumas das competências propostas por Proença (1982), que definem um bom desempenho de função de Scout, como a imparcialidade, o conhecimento do jogo, a mente aberta, o perfecionismo e o conhecimento dos jogadores da própria equipa (para comparações) (Santos, 2012). Acrescentamos ainda o fator “sensibilidade”, de interpretação de comportamentos positivos ou negativos em determinado contexto, e o fator “conhecimento maturacional do indivíduo” relacionado com conhecimento sobre o processo de maturação biológica do indivíduo.

Moita, M. (2008). Um percurso de sucesso na formação de jovens de Futebol. Estudo realizado no Sporting Clube de Portugal – Academia Sporting/Puma. Monografia não publicada, Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto.

Proença, J. (1982). A observação e a intervenção do professor. Ludens, 7, 33-44.


Santos, P. (2012). O modus operandi de um Departamento de Scouting de Futebol – Estágio Profissionalizante realizado na Futebol Clube do Porto – Futebol, SA. Relatório de Estágio Profissionalizante, Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto.