A
equipa de juvenis do SC Mêda não irá participar na fase de manutenção do
campeonato nacional da mesma categoria. Esta “ilustre desconhecida” equipa não
tem condições humanas para conseguir disputar a segunda fase da Série B do
campeonato nacional de juniores B, sendo que a mais cruel das decisões foi
tomada. Depois de muita ponderação por parte da direcção, a ausência de um
número suficiente de jogadores para continuar em prova, ditou a sua não
continuidade.
Defensores
do Futebol segundo um olhar global, transversal e total deste Fenómeno, olhamos
para esta não-continuidade de uma forma muito triste. Sobretudo, porque o que
nos custa mais ao olhar para esta decisão é vermos que foi um grupo de jovens
jogadores de uma humilde cidade do interior, que mais afectado foi com esta
escolha. E, sobretudo estes jovens, não mereciam sofrer esta consequência.
Antes
de mais, importa contextualizar aquilo que foi a génese desta equipa.
Na época 2014/2015, os Sub17 do SC Mêda, comandados pelo excelente treinador
Rogério Afonso, foram campeões da categoria na Associação de Futebol da Guarda,
elevando-se com mérito próprio para o campeonato nacional. Dos vários jogadores
da equipa, apenas 4 (+1 iniciado) continuaram no plantel, tendo todos os outros
subido de escalão. Como é óbvio, e por mais qualidade que apresentassem os
jogadores vindos da equipa de iniciados, os novos Sub17 não poderiam contar
apenas com “eles próprios”, tendo o recrutamento de novos jogadores entrado em
marcha.
Para se ter uma noção do que é a realidade do interior do país, quase todos
os clubes da AF Guarda não conseguem ter todos os escalões etários
representados nos campeonatos regionais. No princípio da época, os clubes têm
que ponderar muito bem em quais escalões se inscrevem, fazendo verdadeiros
truques de gestão para que as suas equipas se mantenham minimamente
competitivas.
Estamos,
portanto, a falar de uma questão de quantidade (ou falta dela) de jogadores
disponíveis. Pode-se, com isso, ter uma ideia do que é que o recrutamento por
parte de uma equipa superior, poderá causar numa equipa inferior.
Por
outro lado, é difícil compreender como é que uma equipa da AF Guarda tenha sido
colocada na Série B, junto das equipas da AF Porto e AF Aveiro Norte, não
jogando contra nenhuma equipa dos distritos limítrofes. Embora seja uma
experiência quase, ou mesmo, única jogar contra clubes como FC Porto, Paços de
Ferreira, Boavista e companhia, a verdade é que em termos competitivos, o SC
Mêda fica sem grandes chances de poder sequer disputar um resultado.
Foram
mais de 1900km que o clube fez só para ir jogar fora (mais outros tantos para
regressar a casa). São quilómetros a mais para uma equipa que tem a sua
deslocação mais curta a cerca de 189km de distância…
Por
isso, não deixa de ser curioso que o Tondela, que ficou classificado em 2º
lugar da Série C do nacional de juvenis, apenas tenha ganho ao SC Mêda por 2x1,
num amigável de início de temporada.
Após várias abordagens a jogadores referenciados pela equipa técnica, o
plantel acabou por ser formado por 23 jogadores. Para além da cidade da Mêda,
os concelhos de V. N. de Foz Côa, Moncorvo, Trancoso e Aguiar da Beira cederam
alguns jogadores a esta equipa. Se bem que destas e de outras localidades como
a Guarda, houvessem jogadores bastante interessantes que acabaram por não
aceitar fazer parte deste grupo.
Contudo,
cedo começaram a sair jogadores. Após o terceiro jogo, um já tinha “abandonado”
o projecto. E com o decorrer da época iam-se somando as desistências, chegando
a equipa a apresentar apenas 13 jogadores no seu último jogo fora, frente ao
Gondomar.
Para
se ter uma ideia daquilo que foram as dificuldades de operacionalização do
processo competitivo, um dos defesas-centrais habitualmente titulares foi
guarda-redes até à época anterior! E em alguns dos jogos que ele não jogou a
titular, 4 dos 5 defesas – se contabilizarmos o guarda-redes, eram Sub16!
Até
o próprio processo de treino foi muito diferente daquele que é o ideal para o
nível competitivo de uma Nacional. Para se ter uma noção, após o início do ano
lectivo, esta equipa apenas fazia/faz dois treinos semanais. Metade daqueles
que fazem os seus adversários. Dividindo espaço/exercícios com a equipa de
juniores do clube.
Enquanto que aos clubes de top desta série mais 1000 ou menos 1000 euros não
interferiam em muito no rendimento dos seus jogadores, o mesmo não aconteceria
no caso do SC Mêda. Com uma certa ajuda financeira, a equipa poderia, por
exemplo, dormir fora para minimizar o efeito negativo das grandes viagens; ou
incrementar a sua reduzida equipa técnica.
É cada vez mais difícil criarem-se projectos ambiciosos nestes meios
provincianos. Ou são extremamente circunstanciais e pontuais e se concretizam a
curtíssimo prazo, ou acabam por desaparecer por falta de consolidações
estruturais. O comodismo, descompromisso, visão/postura rígidas e retrógradas
para com esses projectos, não permitem que se avance tanto como o potencial do
próprio projecto o poderia antever. Embora a participação no campeonato
nacional fosse uma oportunidade única para os jovens da região, havia algo que
fazia antever que com o decorrer da competição muitas dificuldades iriam surgir
na operacionalização do processo competitivo. Mais
do que culpabilizar A, B ou C por esta não-continuidade, é importante que todos
os agentes desportivos olhem para o Futebol de um ponto de vista holístico e
sistémico entendendo aquilo que são e que foram as dificuldades Desportivas,
Técnicas, Sociais, Culturais e Económicas para os Sub17 do SC Mêda.
E
aceitem que esta decisão foi a mais acertada para o desenvolvimento dos jovens
jogadores, que corriam o risco de pouco Aprenderem num contexto competitivo e, infelizmente,
tão desnivelado.
Por
estas e outras dificuldades, acreditamos que, ao contrário do que foi dito por
Ricardo Silva, guarda-redes da equipa Sub17 do FC Porto, esta equipa não era
assim tão “muito fraca”! Embora não achemos que devam ser tratados como
“coitadinhos”, deveriam ser mais respeitados por todos os agentes desportivos,
tendo em conta o seu contexto mais humilde. Se isso acontecesse por parte de
quem manda no futebol, todos sairiam a ganhar.
Por
fim, esta não-continuidade da equipa do SC Mêda tem ainda um sabor mais amargo
em termos pessoais. Por termos feito parte activa desta equipa (na qualidade de
treinador-adjunto) e termos de pôr de parte o nosso próprio processo de
aprendizagem, é ainda mais custoso vermos esta equipa “morrer”…