segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Entre-Linhas com Bruno Pereira

Nesta edição do espaço “Entre-Linhas” convidámos o treinador Bruno Pereira, a propósito dos seus artigos que tem escrito na plataforma “Futebol de Formação”. 

Ele tem-se debruçado em temas como o Talento, o seu Desenvolvimento, a sua Identificação, o Futebol de Rua e mais recentemente, a Técnica, que tanto nos interessam ver debatidos e reflectidos. 

Isto tudo, enquanto desempenha as funções de treinador-adjunto na equipa grega Episkopi. 



1. Aquando da abordagem ao tema do Futebol de Rua, falas de “levar a rua para dentro do treino”, onde utilizas as referências ao “local/espaço”, a “autonomia”, as “horas de prática” e a “emotividade”. Ora, mais que lamentar a inevitabilidade do desaparecimento do Futebol de Rua, é urgente trazê-lo para o Treino. Podes explicar-nos melhor como tentas fazê-lo? 

Na minha opinião, o Futebol de Rua, ou melhor a sua essência e o seu espírito (intrinsecamente ligado às “Regras do Futebol de Rua”, mas também ao local/espaço e condições de onde e como era jogado) devem fazer parte do processo de treino, em particular no âmbito do Futebol de Formação. Acredito que pode enriquecer de forma substancial o treino e potenciar o desenvolvimento do Talento. 

Portanto, no processo e operacionalização do treino é necessário assegurar a presença desses quatro “ingredientes”: variabilidade e diversidade da prática, promoção da autonomia, elevado número de horas de prática e ambiente de grande emotividade. 

Neste sentido, procuro que tudo aquilo que se faz valorize o espírito competitivo, isto é, associo sempre competição (“jogar para ganhar”) aos contextos de treino (exercícios) e, consequentemente, apelo à cooperação (mecanismo fundamental nos processos de evolução). Ao fazê-lo sei que vou criar uma atmosfera de elevada emotividade que favorece e fortalece a aprendizagem e apela à paixão, resiliência (antifragilidade), transcendência e superação. 

No que diz respeito à variabilidade e diversidade da prática, recorro a diferentes estratégias relacionadas não só com o local/espaço de jogo, mas também com o tamanho do campo, bem como, com o tipo de bola. Vou utilizar aqui um exemplo (onde associo também os restantes “ingredientes”) para explicar a forma como concretizo estas questões: 

· Torneio Sobe e Desce 3x3 (“x” jogos de “y” tempo; dimensões “C x L” – podem variar de divisão para divisão; quem perde desce, quem ganha sobe; prémio para quem termina em primeiro lugar e castigo para quem termina em último). 

o Campo 1 (1ª Divisão), campo com baliza normal e guarda-redes; jogado no sintético, com bolas de jogo e treinador a repor bolas. 

o Campo 2 (2ª Divisão), campo com mini-baliza e sem guarda-redes; jogado no sintético, com uma única bola de jogo de tamanho inferior. 

o Campo 3 (3ª Divisão), campo com mini-baliza e sem guarda-redes; jogado fora do sintético, com uma única bola e já muito gasta e vazia. 

Nota: esta lógica pode ser aplicada a situações jogadas, bem como, a situações de agilização Técnica, por exemplo, Torneio de Ténis-Fut. 

Para promoção da autonomia, no meu processo de treino não abdico de momentos em que os jogadores possam jogar em “modo selvagem”. No fundo é “jogar à bola”, por exemplo GR+5x5+GR, recorrendo a regras do Futebol de Rua, como por exemplo, jogadores a fazer equipas e jogo em modo “bota-fora” (quem sofre sai). No entanto, para mim é fundamental que a liberdade destes momentos também respeite uma determinada ordem (o jogar), presente implicitamente seja pela estrutura ou por determinadas regras (exemplo: golo de primeira vale 2). 

Por fim, quanto ao número de horas, para mim em primeiro lugar há que rentabilizar e maximizar o tempo de treino. Para tal, aquilo que se faz tem de ser relevante, isto é, o treino de qualidade tem de ser focar no essencial (tem de ser jogo). Em segundo, podem criar-se estratégias para que os jogadores joguem futebol e estejam em contacto com a bola para lá do treino. Nomeadamente, pedir aos jogadores que venham para o treino mais cedo e nesse período deixá-los jogar (aqui também se pode estimular a prática de jogos que também existiam na rua: jogo da parede, jogo dos cruzamentos, “bota-atrás”, bola na barra, ...) e brincar com a bola (mais um momento em que os restantes “ingredientes” aparecem, em particular a autonomia). Também se poderão dar tarefas para casa, como realização de habilidades com bola, em jeito de desafio. 


2. Até onde o Treino e o Jogo que valorizam “a inteligência de jogo e a capacidade táctica” e “a relação do corpo com a bola e a capacidade técnica” andam de mãos dadas? É que parece que é proibido trabalhar a “relação do corpo com a bola” quando se chega ao escalão sénior… 

Na minha opinião, a relacção do corpo com a bola não só pode como deve ter espaço naquilo que é o processo de uma equipa sénior. Os contextos de agilização Técnica têm um papel muito importante, alargando as possibilidades dos jogadores, em termos de adaptabilidade e gestualidade (aumento de graus de liberdade do corpo) e, por sua vez, enriquecendo o jogar da equipa. Em consequência, acredito que o corpo, com maiores graus de liberdade, mais agilizado, sensível e coordenado, estará menos propenso a lesão, ou seja, a equipa terá menor probabilidade de perder jogadores. 

Quanto à questão da Táctica e da Técnica, no meu ponto de vista, a Técnica está sobrecondicionada à Táctica – enquanto dimensão hierarquicamente superior que guia todo o processo e que coordena a dimensão Técnica, bem como as restantes. De tal forma, elas andam necessariamente de mãos dadas, na medida em que é em função do jogar que se aspira, isto é, da intencionalidade (Táctica) que a Técnica se incorpora, se desenvolve e se manifesta. Em resumo, diria que do meu jogar (e treinar) emerge uma determinada Técnica (Específica) – que não é fechada, ela deve estar em aberto e ter abertura para que o jogador possa dar resposta à imprevisibilidade do jogo, sobretudo, em termos de detalhe (plano micro). 


3. Dizes-nos que “segundo Pereira (2014), as crianças e jovens devem tornar-se especialistas no que melhor fazem”. Como poderemos recuperar a “Individualidade” de cada jogador? É que o Processo de Formação (seja desportivo ou académico) parece estar a ser caminhar precisamente para a uniformização em vez da diferenciação, por mais esforço que haja por parte de muitos investigadores… 

Esta é uma questão que nos devia preocupar a todos, enquanto sociedade. 

No Futebol, assistimos a uma contradição: uma procura incessante pelo Talento (jogadores diferenciados), ao mesmo tempo, que os processos de formação/desenvolvimento tendem em grande parte para uniformização. Tendência essa que tem de ser necessariamente contrariada, em toda sociedade, nomeadamente na Escola e no Desporto. 

Neste sentido, em particular no Futebol de Formação, os treinadores no plano conceptual e no plano da concretização, isto é, a ideia de jogo e o processo de treino tem de respeitar a natureza caótica e imprevisível do jogo, sobretudo, no plano micro. Portanto, o treinador tem de perceber que não pode controlar tudo, muito menos controlar o jogo ao nível do detalhe. De tal forma, a ideia de jogo do treinador é concebida em termos de princípios e subprincípios (dinâmicas colectivas), sendo os sub-subprincípios uma emergência do “aqui e agora” (dinamismo da dinâmica) em função daquilo que é a individualidade de cada jogador. No que diz respeito ao treino, o treinador não deve procurar controlar ou definir aquilo que é o seu jogar ao nível do comportamento individual. O Professor Vítor Frade tem uma expressão que ilustra bem esta questão: “O jogador é livre de agir, sem agir livremente”. Portanto, o jogar e o treinar têm de dar espaço à expressão da individualidade, estando sobrecondicionada à intencionalidade Táctica (colectiva) – o todo (macro) tem de estar sempre presente. Se assim não for, isto é, se o colectivo não estiver a priori facilmente caímos no individualismo (outro problema da nossa sociedade). 

Na minha opinião, o jogar (e o treinar) de qualidade tem de ser manifestamente colectivo, dando espaço à expressão e potenciando a individualidade e acredito que assim poderemos ajudar a contrair estas duas tendências: uniformização e individualismo.


4. Citando Barreira (2020) num outro artigo teu, “O jogador para ser identificado tem de ser desenvolvido previamente.” Por mais que gostemos da área da “Identificação do Talento”, tendo mesmo até já desempenhado essas funções, não achas que estamos a ir pela sobrevalorização desta área em detrimento da área do “Desenvolvimento do Talento”? 

No meu ponto de vista, no Futebol de Formação o foco tem de se orientar para o Desenvolvimento do Talento e, por isso, a grande preocupação dos clubes deve ser a de aumentar a qualidade do seu processo. O que não invalida que o clube invista na Identificação do Talento (e no Selecção do Talento, porque tal também contribui para a melhoria da qualidade do processo). Porém a fiabilidade da identificação será tanto maior quanto mais tarde ocorrer, porque o processo de Desenvolvimento do Talento é longo e não linear. 

Aquilo que sinto é que os clubes muitas vezes não dão tempo aos jogadores de se desenvolverem, de confirmarem e de expressarem o seu potencial. Isto porque já há outros jogadores identificados que naquele momento já têm um rendimento mais elevado – tendência para “ver ao perto”. No entanto, por vezes, anos mais tarde, o jogador que tinha saído desse clube acabou por crescer noutro contexto e confirmar o seu potencial e aquele que veio substitui-lo acabou, eventualmente, também por ser substituído e não atingiu o potencial que o seu rendimento parecia indicar. 


Sei que acompanhaste o Documentário da RTP, “Deus Cérebro”. Esta questão acaba por ser um reflexo daquilo que os neurocientistas diziam: estamos reféns do hemisfério esquerdo (foca-se no detalhe, na informação mais próxima em termos espaciais e temporais) e parece que temos uma lesão no hemisfério direito (permite-nos compreender o Mundo e ter uma visão ampla no tempo e no espaço). É urgente equilibrar estes dois “mundos”. 


5. Por mais que uma vez falas na “regra das 10.000 horas”. Ao mesmo tempo que assistimos a uma “Vertigem da Pressa” na procura de sucesso imediato por alguns miúdos (e por as pessoas que os rodeiam), vemos alguns veteranos a darem verdadeiras lições de compromisso, disciplina e determinação através da forma como Treinam e Jogam… Até que ponto é perigoso para a Formação de um jovem jogador, esta “Vertigem da Pressa”? 

Ora, é um pouco aquilo que já indicava na resposta anterior... Há que ter paciência, porque o processo é longo e não linear. 

A “Vertigem da Pressa”, tal como a tendência de uniformização e o individualismo são problemas sociais. Hoje quer-se tudo imediato, instantâneo. No Futebol vemos isso no próprio jogo e no processo de formação. 

Na minha opinião, como diriam os antigos “a pressa é inimiga da perfeição” e no que diz respeito ao Talento e ao seu desenvolvimento, diversos autores em diferentes áreas já demonstraram que para se atingir a excelência (Futebol de Alto de Rendimento) é necessário cumprir a “regra das 10 mil horas” ou a “regras dos 10 anos”. Só mediante o acumular deste número de horas de prática se pode aspirar aos patamares de rendimento elevados. Mas tem de ser prática de qualidade! Por isso, a “Vertigem da Pressa” no jogo (e no treino) em nada contribuem para o Desenvolvimento Talento – processo que tem necessariamente de fugir à pressa, há que dar tempo para os jogadores se desenvolverem e há que entender que este processo não vai ser sempre a subir, vai ter altos e baixos. Nos altos há que ter cautela para não cair no endeusamento (pode ser em causa o futuro) e nos baixos há que ter sensibilidade para entender a razão e para perceber que esse baixo pode vir a tornar-se um impulsionador para o futuro desenvolvimento.


6. Abordas o versículo do Evangelho de S. Mateus: “Porque àquele que tem, mais lhe será dado, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até o que tem lhe será tirado.” Parafraseando-te “Em termos práticos verifica-se que os jogadores selecionados são expostos a processos de treino de maior qualidade e têm oportunidade de competir em contextos de nível mais elevado. Em sentido oposto, os jogadores não selecionados têm acesso a processos de treino de menor qualidade e a competições de menor exigência.” Em que medida, Treinar e Jogar com os melhores potencia um desenvolvimento mais eficaz dos jogadores? É que esta “regra” poderá ir muito para além do Efeito da Idade Relativa, passando, por exemplo, pelo contexto geográfico de desenvolvimento… 

Novamente entra aqui a questão de se tratar de um processo longo e não linear... 

Frequentemente, a Identificação e Selecção do Talento é contaminada por aquilo que é o rendimento no momento do jogador, o que leva os clubes a recrutarem os melhores e não necessariamente aqueles com mais potencial. De tal forma, tendem-se a dar mais e melhores oportunidades a alguns jogadores e prejudicando-se outros... Por isso subescrevo o Professor Daniel Barreira: previamente à Identificação e Selecção tem de estar o Desenvolvimento, só assim asseguramos uma maior fiabilidade do processo. 

Quanto à questão, a minha opinião é que treinar e jogar com os melhores potencia o desenvolvimento dos jogadores. Agora, aquilo que me parece é que os clubes ao querem ter todos os melhores dentro do seu processo leva a que haja uma perda de qualidade nos outros clubes (que por sua vez também irão perder qualidade no seu processo de formação), ou seja, o nível de treino pode aumentar no clube que recruta, mas o nível das equipas que se irá defrontar ficará diminuído pela perda dos seus melhores jogadores. 

Concretamente ao contexto geográfico, parece-me que pode ser importante para o Futebol Português criarem-se regras que limitem a área de recrutamento dos clubes, pelo menos até uma determinada idade. Ao mesmo tempo que se devem dar maiores apoios aos clubes de regiões interiores e das periferias no sentido dos mesmos terem capacidade para ter melhores profissionais, nomeadamente treinadores e em situações não precárias. 


7. Em relação ao processo de treino da sub-dimensão mais técnica, consideras que o mesmo deve ser operacionalizado numa perspectiva mais integrada ou numa perspectiva mais complementar? 

O Professor Vítor Frade diz-nos que o “O Futebol não se ensina, aprende-se.” Nesse sentido, considero que o desenvolvimento da Técnica (Específica) deve acontecer, fundamentalmente, pela vivenciação do jogo (do jogar da equipa). Sendo que o treino tem de ser jogo. 

Todavia, como já referi, os contextos de agilização Técnica também devem ter espaço no processo de treino enquanto momentos potenciadores da Técnica (devem também ser “jogo”) – relacção do corpo com a bola (sensibilidade e habilidade motora) e gestualidade. Sendo que podem surgir antes ou depois do treino, na parte inicial do treino e até na parte fundamental, por exemplo, no treino de recuperação. No entanto, para mim, não são momentos complementares, são fundamentais, porque visam o enriquecimento do meu jogar e dos meus jogadores. 


8. Tens a mesma opinião num contexto de exigência de nível mais regional, onde o tempo/espaço aquisitivo da sub-dimensão estratégica é menor e a emergência do “individual” sobrepõe-se muitas vezes sobre o “colectivo”? 

Na minha opinião, a essência do processo é a mesma. Seja num clube de formação de dimensão nacional ou numa academia local, num clube profissional ou numa distrital de séniores o processo deve aspirar o desenvolvimento de um jogar (colectivo). De tal forma, nada se sobrepõe ao jogar (entenda-se Dimensão Táctica), porque é em função dele que a equipa e os jogadores (individual) se desenvolvem (nas dimensões Técnica, Física, Psicológica e Estratégica). 

Pessoalmente, recordando as experiências pelas quais passei, com os devidos ajustes face aos diferentes contextos e comtemplando aquilo que também foi/é o meu processo de crescimento, os processos sempre obedeceram a uma determinada forma se ser, a um determinado sentir e a um determinado saber.


9. Como periodizas em termos de conteúdo o Processo de Treino do “Desenvolvimento Individual” para uma época desportiva? Infelizmente não encontramos muita informação sobre essa matéria, sendo este “tipo” de treino muitas vezes tratado de forma muito aleatória… 

Dentro daquilo que é o processo de treino da equipa, como disse anteriormente, aquilo que guia, direcciona e coordena o desenvolvimento individual é o jogar a que se aspira. É em função desse jogar (colectivo) que se têm determinadas preocupações no sentido de potenciar os jogadores. 

Atualmente, os clubes possuem departamentos dedicados ao desenvolvimento individual, sendo que na minha opinião, também neste âmbito aquilo que orienta o processo deve ser a forma de jogar da equipa (pode ou não ser transversal ao clube). O Vítor Matos, adjunto no Liverpool, recentemente referiu que uma determinada ideia de jogo, força um determinado desenvolvimento individual. Pelo que, aquilo que se faz em termos individuais tem de fazer sentido para o colectivo e mais que isso tem de contribuir para o crescimento colectivo e, claro, individual. 

No que diz respeito às escolas de treino individual, externas e independentes aos clubes, parece-me que há algumas questões importantes. Em primeiro, os responsáveis devem perceber junto dos jogadores ou até dos treinadores aquilo que são as suas ideias para que o processo de treino individual se possa alinhar com aquilo que é o colectivo. Depois, estas entidades devem desenvolver um trabalho no sentido de perceber que competências são transversais aos jogadores de alto nível e procurar desenvolvê-las. 

Porém, na minha opinião, a lógica deve ser a de fazer aprender, mais do que ensinar. De tal forma, tudo tem de ser jogo, no sentido, em que são situações com abertura e imprevisibilidade. Assim, também o processo se afastará de uma lógica de ensino “por gavetas”, no sentido em que não há uma periodização prévia de conteúdos, isto é, hoje “isto”, amanhã “aquilo” e para a semana “aqueloutro”. O processo é que nos vai levando a hierarquizar e definir determinadas prioridades. 


10. Por mais contraditório que possa parecer, olhamos para o Treino de “Desenvolvimento Individual” com uma necessidade muito grande de decorrer com adversários e colegas de equipa, para assim poder acolher a dimensão Complexa, Sistémica e Caótica que o Jogo oferece… Logicamente, admitimos e utilizamos até contextos mais “fechados” dentro desse treino, mas sem nunca esquecer, pelo menos uma destas dimensões. Concordas? 

No meu entendimento é fundamental que o processo de treino de Desenvolvimento Individual respeite aquilo que é o jogo, pelo que é necessária uma visão sistémica e complexa de forma a que o treino seja representativo do caos e imprevisibilidade associada ao jogo. 

Portanto, eu prefiro ir pelo Treino Individual por pequenos grupos e não pelo Treino Individualizado, porque no Treino Individual consigo criar contextos representativos do jogo, enquanto que no Treino Individualizado fico sempre aquém daquilo que é o jogo... Os contextos tornam-se mais fechados e analíticos. Ainda assim, neste âmbito individualizado procuro criar contextos que impliquem abertura, imprevisibilidade... O treino aqui é muito direcionado para a relacção do corpo com a bola (habilidade motora e sensibilidade), para o desenvolvimento da gestualidade (e adaptabilidade) e para o refinamento das acções táctico-técnicas – recaindo o foco sobre a precisão e eficácia, mais do que no “gesto técnico” (em termos biomecânicos), só assim poderemos respeitar aquilo que é o jogador (Corpo), na sua individualidade. 


11. Na mesma altura em que “choramos” pela ausência de um maior grau de Criatividade no Futebol, os treinadores de formação em Portugal vêem-se castrados de oferecer aos miúdos um processo rico desse ponto de vista. As restrições e os constrangimentos causados pela pandemia são tantos, que já chegámos a uma altura onde esses treinadores estejam a treinar tudo menos Futebol… Que prática é possível proporcionar ao longo de uma época inteira na Formação, respeitando, por exemplo, o distanciamento obrigatório entre jogadores? 

Esta questão tem muito a ver com aquilo que respondi anteriormente... 

A minha experiência profissional relacionada com o treino em pandemia levou-me a criar treinos para os jogadores realizarem em casa e numa outra fase passei pela situação de treinos em grupo. Na primeira situação, aquilo que me parece ser importante é procurar dar aos jogadores propostas que contrariam a tendência deste momento para “fechar” (porque não há jogo). Nesse sentido, devem se propor as mais diversas e variáveis situações de agilização Técnica e aqui os treinadores têm de ser altamente criativos. Depois em termos Físicos é importante que se façam coisas que respeitem aquilo que é o padrão de solicitação e implicação muscular (gestualidade e adaptabilidade). 

No âmbito do treino por grupos, não vivenciei essa restrição de distanciamento obrigatório. Ainda assim, nessa situação (muito difícil e que realmente de Futebol pode ter muito pouco) parece-me que se podem recorrer a diferentes contextos de agilização Técnica, no sentido de desenvolver a relacção do corpo com a bola (habilidade motora e sensibilidade), a gestualidade (e adaptabilidade) e de refinar das acções táctico-técnicas. Esses contextos podem ser desde os mais fechados, analíticos e individuais, como os toques de sustentação, as habilidades com bola e os gestos técnicos, até aos mais abertos, como por exemplo, jogo baliza-a-baliza ou o Ténis-Fut. 

Outra abordagem que pode ser pertinente e benéfico é os treinadores criarem tarefas relacionadas com a visualização e análise de jogos e de jogadores. Os mais novos podem ser incentivados a ver as suas equipas preferidas e os seus ídolos, no sentido de terem referências sobre aquilo que é o jogo de alto nível e de terem modelos para “copiar”. Os mais velhos podem ser estimulados a ver determinadas equipas a jogar (importante que vejam o jogo todo e não apenas resumos) e a analisarem essas mesmas equipas, questões colectivas e individuais. 

Finalizando, parece-me muitíssimo importante, para o País, para a Sociedade, para o Desporto e para o Futebol que o Futebol de Formação (e também o Futebol Amador!) possam voltar a treinar com normalidade (urgentemente)! Estamos a colocar em causa o futuro de milhares de crianças e jovens e o seu desenvolvimento integral e, consequentemente, o futuro de Portugal.

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