quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Entre-Linhas com Roberto Rivelino

Para este espaço “Entre-Linhas” convidámos o especialista em tudo o que diz respeito aos Guarda-Redes, Roberto Rivelino Silva.
Gestor da plataforma internacional informativa sobre “O Mundo dos Guarda-Redes” e comunicador de formação, aquele que começou por ser um jovem blogger é já uma autêntica enciclopédia sobre tudo o que diz respeito aos números 1. E não só no futebol. 

1.    Comecemos por uma das mais difíceis perguntas que se impõem no que à formação de guarda-redes diz respeito. Como se poderá dizer a um guarda-redes que é baixo que (muito) dificilmente ele terá sucesso enquanto profissional?
R.R.) É um de tantos estereótipos que a sociedade criou à volta do guarda-redes. É claro que é precisa uma certa altura para defender o gigante que fica atrás do guarda-redes, mas para todo o tipo de guarda-redes e humano à especificidades físicas que condicionam ou abonam a favor da posição. Um guarda-redes de 1,85m pode não ter a capacidade de impulsão de um de 1,80m – que já é considerado “baixo” -, ou vice-versa. Penso que não deve haver esse tipo de preconceito.

2.    Passando para o lado do treino, abordamos uma enorme dificuldade que condicionam o desenvolvimento dos guarda-redes em muitos dos clubes amadores. Quando até para a equipa principal é difícil arranjar-se um treinador, como se pode ensinar/treinar um guarda-redes quando se está sozinho nesse processo? Que estratégias deveremos elaborar no treino, nós treinadores, para pudermos potenciá-los?
R.R.) Primeiro de tudo o treinador tem de ter sensibilidade para compreender e abordar o guarda-redes. É uma posição específica e a pessoa que defende a baliza é ainda mais especial por todos os motivos: desde a especificidade do treino individual até à abordagem global na conjuntura da equipa. Os treinadores devem criar espaço no plano de treinos e na aprendizagem individual para dedicar algo aos guarda-redes, no caso da ausência do técnico específico ou da impossibilidade de contratar um. Quem sabe, chegar mais cedo ao treino e dispensar dez minutos com os guarda-redes, por exemplo.

3.    Muitas das equipas amadoras da região tem uma lacuna quantitativa de guarda-redes. Mesmo ao nível sénior. É mais habitual existir apenas um do que três guarda-redes. Contudo quando isso acontece nem sempre é fácil “encaixar” o terceiro guarda-redes. Que papel deverá adoptar esse jogador quando ambas as equipas já têm um guarda-redes? Deverá ser inserido no jogo como jogador de campo, deverá ser convidado a esperar fora do exercício, deverá ter um papel rotativo com outro guarda-redes… convém não se esquecer que o treinador de guarda-redes é um indivíduo quase inexistente na nossa região...
R.R.) No treino deve-se gerir as cargas físicas e a partir daí tentar estabelecer um sistema de rotatividade entre os três guardiões. Se no treino de sexta-feira o titular de domingo já tiver a carga de treino suficiente, pode-se gerir melhor a questão dos três guarda-redes. E há também a questão de um guardião beneficiar mais da integração no jogo e circulação da bola com os pés.


4.    Num processo a dois treinos semanais – número normal na nossa região mesmo em equipas a competir em campeonatos nacionais – sem treinador de guarda-redes, qual a importância de realizarmos um treino complementar para desenvolver os skills específicos dessa posição?
R.R.) Como disse anteriormente, criando um espaço só para os guarda-redes antes do treino. Ou, então, consciencializando o guarda-redes da importância do conhecimento autónomo sobre a posição e o treino, o que por vezes ajuda-os a crescer e a desenvolver com maior prosperidade. É essencial também ter atenção ao tipo de exercício coletivo em que o guarda-redes é inserido, pois por vezes vemos o guarda-redes a fazer exercícios de carga física no treino prévio ao jogo e este pouco abona com isso.

5.    E das outras como defesa-central ou avançado?
R.R.) Recordo uma entrevista do ex-avançado Jorge Cadete em que falava da necessidade de se criar meios para a existência do treinador de avançados e olhamos para equipas de menor nomeada no Brasil e vemos um staff com quase dez elementos, começando no treinador principal até ao psicólogo. Penso que um dia teremos a abertura e as capacidades para a criação de técnicos específicos capazes de rentabilizar jogadores por posição, porque por vezes o treinador principal e o adjunto não têm tempo, disponibilidade ou alcance para isso. Olhando para o Futebol Português imagino o que seria de Hélder Guedes ou de Yazalde se tivessem um acompanhamento mais íntimo de um técnico e veríamos a diferença de aproveitamento por oportunidades de golo que teriam com esse tipo de trabalho.


6.    Existe a esperança que o “Projecto 1” dinamizado por Vítor Baía seja um importante contributo para a nossa “Escola de Guarda-Redes” em Portugal. Será que esse projecto está no caminho certo?
R.R.) A ideia, de partida, já movimentou muito interesse para a posição e só isso já é positivo. A atenção que a sociedade e os Media davam aos guarda-redes há três/quatro anos atrás é completamente diferente da que dão hoje e o Projeto 1 – Escola de Guarda-Redes da Federação Portuguesa de Futebol vem nesse seguimento. A partir daí depende muito da concretização do que é idealizado e da qualidade da mão-de-obra impregnada no projeto. Até agora já se cumpriu alguns dos pontos idealizados, mas ainda há muito a trabalhar e a acrescentar.

7.    Quando se fala de “Escolas de Guarda-Redes”, como se pode caracterizar a Portuguesa?
R.R.) Por potenciação, por rendimento. São inúmeros os casos de guarda-redes que chegam a Portugal com poucas condições e falta de bases técnicas e competitivas e saem do nosso país na plenitude das suas capacidades. Uma vez no estrangeiro, voltam ao ponto em que chegaram cá. E nisso é que o treinador de guarda-redes Português se distingue: em detetar os erros e as lacunas e corrigir ou até “esconde-las.” Penso que Portugal está bem sem qualquer formato ou padrão de guarda-redes ou de treino de guarda-redes, mas beneficiaria de uma creditação e formação para treinadores de guarda-redes.


8.    Se conseguíssemos identificar um padrão, quais os pontos fracos dos guarda-redes portugueses para voltarmos a ver a principal liga portuguesa com mais guarda-redes nacionais?
R.R.) O ponto mais fraco dos guarda-redes Portugueses deverá encontrar-se prioritariamente fora de campo. Há muito talento nas balizas de Portugal, mas há vários interesses que impedem o surgimento de jovens talentos. É de se questionar como guarda-redes como Mário Felgueiras ou Beto Pimparel não tiveram a solidez que lhes devia ser dada em Portugal e quem acaba prejudicado é o próprio Futebol nacional.
Depois, há a questão da pouca formação que é dada ao treinador de guarda-redes Português e isso afeta os guardiões desde a formação ao seniores. Vemos vários jovens chegarem aos escalões principais com passagens nas seleções jovens e depois acabam por não singrar e isso deve-se também, mas não só, à pouca preparação para a competição e situações reais de jogo.


9.    Passando agora para uma análise internacional do momento dos guarda-redes, podemos dizer que com a sua visão diferente do Jogo, Guardiola tem também uma visão diferente para os guarda-redes. Com essa atribuição de novos papéis e tarefas estaremos nós perante uma nova etapa evolutiva para os “redes”?
R.R.) As ideias e conceções de Pep Guardiola revolucionaram a maneira como o guarda-redes é visto e renovou o interesse dado à posição. O que o público-geral e os executantes do Futebol precisam de entender é que a principal do guarda-redes é a defesa da baliza. Só depois se pode pensar no resto. Johan Cruyff tomou riscos ao apostar em Stanley Menzo pelas suas valências no jogo com os pés na década de 80, mas volvidas duas décadas o mesmo não se passou no FC Barcelona: Víctor Valdés era um guarda-redes capaz na defesa da baliza e na construção de jogo e circulação de bola. Os seus erros eram mais decisionais do que técnico-táticos. Quando Guardiola chegou ao FC Bayern implementou as suas ideias em Manuel Neuer e vimos a evolução dessa etapa “finalizada”, mas penso que mais do que admirar e apreciar este tipo de jogo do guarda-redes há que entender que a sua função é defender e só é possível conseguir ser um Manuel Neuer se tiver um bloco e uma equipa coesa que possibilite tamanhos riscos e decisões.

10. Guardiões como Gianluigi Donnarumma e Alban Lafont poderão contrariar a ideia de que os guarda-redes precisam de muita experiência para serem Top. Poderão eles abrir novas portas a outros jovens guarda-redes que precisem agora de menos anos de futebol para se afirmar?
R.R.) A experiência não se traduz nos anos vividos, mas sim na aprendizagem dos momentos vividos. Olhando para Gianluigi Donnarumma vemos um guarda-redes muito jovem mas que passa bastante tranquilidade à equipa. Não é um guarda-redes que arrisca nem se coloca em situações de perigo. Cumpre e sabe passar calma à equipa e beneficiou do caos do AC Milan para rentabilizar a sua imagem e a sua potencialidade. Teve a inteligência emocional para transformar uma situação de grande perigo num benefício para o seu crescimento individual.
Quando dizem que para se ser guarda-redes tem de se ser “louco” ou “maluco” estão completamente errados. É aceder a um estereótipo que tem de cair. A posição de guarda-redes é a que exige mais equilíbrio psicológico e emocional, aliando níveis altos de inteligência para poder decidir. Portanto, penso que a aposta em jovens guarda-redes deve passar por a pesagem destas condições, aliadas à qualidade técnica, e só por isso não vemos mais jovens guarda-redes a surgir.
No caso específico de Alban Lafont, vemos um guarda-redes com graves lacunas técnico-táticas, mas que consegue desempenhar um papel de normal exigência para uma equipa como o Toulouse FC e que cumpre dentro do que lhe é pedido: defesa da baliza. Bem à imagem dos restantes guardiões do campeonato Francês.


11. Sem queremos ter uma postura extremista em prol dos jovens guarda-redes, continuamos a reconhecer qualidade em Gianluigi Buffon e Tim Howard (porque não Hélton?) que provam que com mais de 37 anos ainda se joga a top, mesmo numa posição que exige uma condição física mais traumática…    
R.R.) O segredo passará pela auto-motivação e pela capacidade das pessoas que os rodeiam. Não há idade para a qualidade de um guarda-redes. Vemos como Júlio César evoluiu nos últimos anos em Portugal e pensamos: como será possível um guarda-redes já consagrado desenvolver-se assim, “ainda” com esta idade? A resposta está dentro do seu intelecto. Da plasticidade e das suas qualidades cognitivas.
Quanto aos exemplos dados. Reparamos como Tim Howard acabou por “esquecido” pelo Everton e vai viver tempos de menor pressão nos Estados Unidos, enquanto Gianluigi Buffon é tão gigante que os seus erros nos últimos dez meses são facilmente esquecidos pela sua preponderância e importância para o coletivo. Está cada vez mais um guarda-redes intuitivo nos momentos de decisão, mas continua um dos melhores na resposta às ofensas adversárias e na circulação de bola e, claro, sem esquecer o aspeto mental, onde continua a ser um dos jogadores com mais capacidades a nível Mundial. Por isso mesmo continua a alto nível no Juventus FC e na seleção Italiana, aos 38 anos.



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