segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A decadência da Laranja Mecânica

Acreditamos que quando o sucesso aparece não é aleatório. Existem bases que o sustentam e que potenciam o seu aparecimento. O mesmo poderá acontecer com o fracasso.  Quando as bases são fracas, ou de qualidade questionável, o fracasso tende a aparecer e a mostrar-se. A nosso ver, assim está o futebol da Holanda, que entrou numa espiral decadente depois do 3º lugar no Mundial 2014.

Enquanto tivemos o nosso primeiro contacto com o futebol internacional, Van Gaal conquistava títulos com o Ajax. As selecções holandesas encantavam em qualquer competição que entrassem, com o seu modelo de jogo que primava pela posse dinâmica, criativa e eficaz (mais a atacar). Jogadores como Van der Saar, os irmãos De Boer, Davids, Bergkamp, Overmars, Kluivert (e por aí adiante) eram verdadeiros ídolos para quem nasceu no final dos anos 80.

Hoje, e em apenas dois anos, a Holanda tornou-se uma sombra desses tempos. Começando pela Eredivisie, vemos três “grandes europeus” com prestações abaixo do expectável quer interna e externamente. O PSV Eindhoven, campeão na última jornada do campeonato, é comandado em campo por um experiente… mexicano, Andrés Guardado.  No Ajax, que estrondosamente empatou o seu último jogo do campeonato passado, perdendo o título para o rival PSV, tem no alemão de origem libanesa Amin Younes o seu jogador mais habilidoso. Por fim, o Fyenoord tem tentado ressuscitar das cinzas com o veterano Kuyt e o incompreendido Elia, liderando a “revolução”.


Passando para a selecção nacional, a “Laranja Mecânica” ou não tem sumo, ou está avariada. Jogadores como Van Persie, Huntelaar, Van der Vaart, Nigel de Jong, e Kuyt (por renuncia própria) já não contam para Blind. Outros a quem muito se esperava nos seus primeiros anos de profissional como Leroy Fer, Van der Wiel, Jermaine Lens, Babel, Emanuelson, Jonathan de Guzmán, e mais recentemente Depay, Clasie e Vilhena não conseguiram ou não conseguem atingir o título de inquestionáveis.

Para o empate 1x1 contra a Suécia, em jogo a contar para a qualificação para o Mundial, o seleccionador Danny Blind realizou as seguintes escolhas para o XI inicial:

GR – Zoet / 25 anos / PSV Eindhoven / 6 int. – desde a retirada de Van der Saar que já foram várias as escolhas para esta delicada posição, manifestando toda a dificuldade que os holandeses têm tido na escolha de um guarda-redes de referência. Já tentaram Stekelenburg, Vermeer, Krul, Vorm, Cillessen, e até agora nada…

DD – Janmaat / 27 anos / Watford / 28 int. – não admira que seja normalmente o dono da posição. Com bastante qualidade é um defesa direito bastante interessante que se encaixa no perfil dinâmico e ofensivo da Holanda. Tirou o lugar a Van der Wiel.

DCD – Bruma / 24 anos / Wolfsburgo /  21 int. – muito promissor enquanto jovem, poderá vir a ser um pilar importantíssimo no futuro do futebol holandês, já que está a manifestar a qualidade que prometeu.

DCE – van Dijk / 25 anos / Southampton / 8 int. – algo frágil no princípio da sua era britânica, o possante van Dijk faz uma dupla interessante com José Fonte. Duro de rins ainda não é indiscutível na selecção por alguma razão.

DE – Blind / 26 anos / Man. United / 38 int. – é daqueles jogadores que aprendeu em casa (com o seu pai e actual seleccionador) e no clube (Ajax) como poucos tiveram essa chance. Bastante competente em diferentes posições e funções, Blind ainda não conseguiu, no entanto, alcançar o estatuto de jogador de nível mundial – talvez a própria polivalência o prejudique a ser uma referência.

PD – Strootman / 26 anos / Roma / 30 int. – com muita infelicidade à mistura, fruto de duas lesões gravíssimas no joelho, Strootman ainda não conseguiu mostrar fora da Holanda a sua qualidade. Possante, técnico, inteligente, precisa de jogos nas pernas para voltar a ser o que era no PSV.

MID – Klaassen / 23 anos / Ajax / 7 int. – capitão do Ajax está ainda à procura de se tornar num indiscutível no XI holandês. Até no clube (mesmo com um registo de 8 golos em 8 jogos), ele não é o médio ofensivo que seja capaz de encher um estádio com os seus passes de ruptura, arrancadas ou golos que se pedem a um “10”. Tem tido dificuldades em evoluir as suas competências sendo um jogador que hoje é muito parecido aquele que apareceu pela primeira vez no futebol profissional.

MIE – Wijnaldum / 25 anos / Liverpool / 32 int. – com potencial para ser um dos melhores médios do mundo nos próximos tempos, Wijnaldum pegou de estaca no Liverpool com um arranque fantástico. Perdeu algum virtuosismo do seu início de carreira, ganhou maturidade táctica e personalidade defensiva, é dos que poderá contrariar a tendência de performances negativas da sua selecção.

EE – Sneijeder / 30 anos / Galatasaray / 123 int. – um dos melhores jogadores holandeses da última década não precisa de grandes referências. Aquele que na nossa opinião foi muito cedo “esconder-se” para o campeonato turco, é talvez o jogador mais decisivo no Galatasaray e na selecção, mesmo começando a entrar numa fase descendente da sua carreira.

ED – Quincy Promes / 24 anos / Spartak Moscow / 14 int. – nada  contra o jogador, que até tem qualidades interessantes, fazendo jus à bela escola holandesa de extremos rápidos, eficazes no 1v1, e finalizadores. Contudo, é ainda um jogador desconhecido por alguns, por estar escondido no Spartak de Moscovo, faltando-lhe algum “calo” de futebol ainda mais top.

PL – Vincent Janssen / 22 anos / Tottenham / 7 int. – com uma ascensão meteórica no futebol profissional (embora tenha escola do Feyenoord), Janssen tentará provar numa equipa de top o que mostrou no modesto Almere City e depois no AZ Alkmaar – marcar muitos golos.

Embora se trate de um leque de escolhas interessante, onde poderiam ainda estar presentes Arjen Robben, Ibrahim Afellay, Stefan de Vrij, jogadores que têm tido alguns problemas físicos, não tem a qualidade que nos habituou no passado.

No entanto, o que nos preocupa ainda mais é quando passamos para o lado mais colectivo do jogo. Mesmo com estas potenciais substituições, acreditamos que o modelo de jogo da Holanda perdeu a fantasia, a criatividade, a competência e o encanto de outrora. Tanto a selecção principal como as suas principais equipas assentam o seu jogar numa posse muitas vezes aborrecida pela sua falta de objectividade e muito dependente dos desequilíbrios provocados no 1v1 dos extremos. A defender também não mostram muita agressividade, estando os seus jogadores muito mais confortáveis no seu momento ofensivo.


Depois de ter falhado o Euro 2016, com uma fase de qualificação desastrosa, muitas dúvidas caem sobre a capacidade da Holanda recuperar a sua magia. E pela exibição no seu primeiro jogo de qualificação não achamos que vá ser um período fácil…